Jumento brasileiro pode desaparecer até 2030 se nada for feito, alertam especialistas
O jumento, animal símbolo da resistência nordestina, está ameaçado de extinção no Brasil. Em apenas duas décadas, a população desses animais despencou 94%, saindo de 1,3 milhão de exemplares no início dos anos 2000 para menos de 100 mil atualmente. A principal causa da queda drástica está ligada ao avanço da indústria de exportação de peles para a China, onde o colágeno retirado da pele do jumento é usado na fabricação do ejiao, um tônico da medicina tradicional chinesa.
O cenário é considerado crítico por ambientalistas, veterinários e organizações de proteção animal, que denunciam o abate descontrolado e os maus-tratos sofridos pelos animais capturados, sobretudo nas regiões do semiárido nordestino. Sem políticas públicas eficazes, o jumento pode ser declarado extinto no país até o fim da década.
Exportação para a China acelera o abate
Nos últimos anos, a demanda por ejiao – produto tradicional chinês que promete diversos benefícios à saúde – fez explodir o interesse por peles de jumentos. O Brasil, especialmente o Nordeste, se tornou um dos focos de fornecimento da matéria-prima, resultando em um ciclo de captura, transporte e abate que, segundo especialistas, ocorre com pouca ou nenhuma fiscalização.
“Os jumentos são levados em caminhões lotados, em condições degradantes, e abatidos em matadouros que muitas vezes não seguem normas sanitárias ou ambientais”, denuncia uma veterinária ligada a um projeto de proteção animal que atua na Bahia. “É uma situação alarmante.”
Ícone da cultura nordestina
Mais do que uma questão ambiental, o possível desaparecimento do jumento representa uma perda cultural para o Brasil. No semiárido, o animal sempre foi um aliado do povo sertanejo, auxiliando no transporte de água, alimentos, pessoas e mercadorias em áreas de difícil acesso. Sua presença está enraizada em músicas, cordéis, lendas e celebrações típicas da região.
“O jumento é um símbolo da resistência do sertanejo. Ele ajudou a construir a vida no campo e não pode simplesmente desaparecer por falta de cuidado do Estado”, afirma o antropólogo Jorge Lins, que pesquisa a relação entre cultura e meio ambiente no Nordeste.
Com o avanço da mecanização no campo e a urbanização crescente, os jumentos passaram a ser vistos como ‘sobrantes’ e, em muitos casos, abandonados à beira de estradas ou em áreas rurais. Essa marginalização facilitou a captura em massa para abate.
Falta de políticas públicas agrava o cenário
Apesar do alerta feito por especialistas há mais de uma década, o Brasil ainda não possui um plano nacional específico para o manejo sustentável da população de jumentos. A ausência de ações concretas de proteção, aliada à fragilidade da fiscalização dos matadouros e do transporte de animais, contribui para o agravamento da situação.
“O Brasil está diante de um crime ambiental silencioso. Não há controle sobre o que está sendo feito com esses animais, e se não houver uma resposta urgente, em cinco anos não teremos mais jumentos em território nacional”, alerta a pesquisadora Amanda Silva, da Universidade Federal do Semiárido.
Organizações não governamentais como a The Donkey Sanctuary e a ONG brasileira Santuário Serra da Capivara têm pressionado autoridades para a criação de políticas de proteção, incluindo a suspensão das exportações e a revalorização do jumento como parte do patrimônio cultural e natural do país.
Propostas em debate
Entre as medidas defendidas por ambientalistas estão:
Proibição da exportação de peles e derivados de jumentos;
Criação de áreas de proteção e centros de reprodução assistida;
Campanhas educativas sobre a importância do jumento para o bioma e a cultura local;
Incentivo a projetos de turismo sustentável envolvendo a espécie;
Inclusão do jumento na lista oficial de espécies ameaçadas de extinção.
Alguns estados nordestinos já começaram a debater legislações próprias, mas a falta de uma articulação nacional ainda é o maior desafio.
Risco de extinção é considerado real e iminente
De acordo com pesquisadores, o desaparecimento dos jumentos pode ocorrer de forma rápida e silenciosa, como já aconteceu com outras espécies domesticadas em várias partes do mundo. O problema, nesse caso, é agravado pelo fato de o jumento ser uma espécie de uso histórico, sem tradição de proteção por parte do Estado.
“O jumento está à margem das discussões ambientais, como se fosse um animal menor. Isso precisa mudar. Ele tem uma função social, cultural e ambiental muito importante”, reforça Amanda Silva.
Sem uma virada urgente na condução das políticas públicas e na conscientização da sociedade, o jumento pode ser mais um símbolo do Brasil a desaparecer por negligência.
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