Alexânia (GO) – Após mais de duas décadas foragido da Justiça, Roberto Nogueira de Oliveira, de 52 anos, enfrenta nesta terça-feira (24) o Tribunal do Júri da Comarca de Alexânia, acusado de assassinar com requintes de crueldade sua companheira, Sônia de Azevedo, que era deficiente visual. O crime aconteceu em 29 de janeiro de 2001, em uma chácara na zona rural do município, nas proximidades do km 17 da BR-060.
A sessão, marcada para as 8h30 e presidida pelo juiz Fernando Augusto Chacha de Rezende, mobiliza a atenção da comunidade local, que ainda guarda na memória a brutalidade do caso. O Ministério Público sustenta que o assassinato foi cometido por motivo fútil e com especial crueldade, agravantes que podem pesar na decisão dos jurados.
Crime motivado por uma discussão banal
De acordo com a denúncia apresentada pelo Ministério Público, o assassinato foi cometido após uma discussão sem relevância: a vítima teria tirado as sandálias dos pés, o que irritou Roberto. A reação foi desproporcional e violenta.
Testemunhas relataram que, antes de esfaquear Sônia com 12 golpes, o acusado a agrediu fisicamente e a obrigou, junto com o filho do casal — um menino de apenas 8 anos na época —, a se deitarem no chão. Mesmo diante da presença da criança, ele desferiu os golpes fatais contra a mulher.
O Ministério Público aponta que Roberto agiu com plena consciência do que fazia, demonstrando frieza e crueldade extremas. A promotoria classificou o crime como feminicídio, embora a tipificação legal só tenha sido introduzida no Código Penal em 2015. Ainda assim, o agravante pode ser considerado por analogia, dada a violência contra a mulher em contexto de relação doméstica.
Duas décadas de impunidade e fuga da Justiça
Logo após o crime, Roberto fugiu e permaneceu foragido por mais de 20 anos. Ele era considerado um dos criminosos mais procurados da região. Durante esse período, mudou de cidade diversas vezes e chegou a utilizar identidades falsas para escapar da captura.
A prisão só ocorreu recentemente, após uma investigação conjunta entre as polícias de Goiás e do Distrito Federal, que localizou o acusado vivendo sob nome falso em uma área rural no interior de Minas Gerais. Ele foi preso sem oferecer resistência e encaminhado à comarca de origem para responder pelo crime.
Julgamento deve durar o dia todo
A expectativa é que a sessão do júri popular dure o dia inteiro. Estão previstos depoimentos de testemunhas de acusação e defesa, além do interrogatório do réu. Advogados de defesa argumentam que o crime teria ocorrido sob forte emoção, mas o Ministério Público deve sustentar a tese de homicídio qualificado por motivo fútil, recurso que dificultou a defesa da vítima e meio cruel.
A defesa também não descarta a tentativa de questionar a capacidade mental do réu à época do crime, embora até o momento não existam laudos psiquiátricos que sustentem essa tese.
Família busca justiça após anos de silêncio
Familiares de Sônia de Azevedo compareceram ao Fórum de Alexânia com a esperança de que, após mais de duas décadas, a justiça finalmente seja feita. O filho da vítima, hoje um homem adulto, deve acompanhar o julgamento, mas não pretende se manifestar à imprensa.
"Ela era uma mulher batalhadora, cega desde a infância, mas nunca deixou que isso fosse impedimento para cuidar da casa e da família. O que aconteceu com ela foi monstruoso", disse uma prima da vítima, que pediu para não ter o nome divulgado.
Caso expõe falhas no sistema de justiça
O fato de o acusado ter conseguido permanecer foragido por tanto tempo levanta questionamentos sobre as falhas no sistema de monitoramento e execução penal. Especialistas ouvidos apontam que casos como esse reforçam a necessidade de investimentos em bancos de dados unificados e sistemas de inteligência integrada entre os estados.
"O problema da impunidade alimenta a violência doméstica. Quando um criminoso foge e passa 20 anos livre, a mensagem que fica é de que é possível escapar da justiça. Esse caso precisa servir de alerta", comentou a advogada e ativista de direitos humanos, Célia Freitas.
Sentença pode sair ainda hoje
O julgamento deve se encerrar ainda nesta terça-feira, salvo imprevistos processuais. Se condenado por homicídio qualificado, Roberto Nogueira de Oliveira pode pegar pena superior a 30 anos de reclusão, agravada pelo tempo em que esteve foragido.
O caso é acompanhado por organizações de defesa dos direitos das mulheres e por integrantes da Comissão da Mulher Advogada da OAB-GO, que consideram o julgamento simbólico para o enfrentamento à violência de gênero no estado.
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