O Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) condenou um homem a 8 anos e 2 meses de prisão por estupro contra sua ex-companheira, reformando a decisão de primeira instância que havia o absolvido por falta de provas materiais. O crime ocorreu em Águas Lindas de Goiás, e a nova sentença teve como base principal o depoimento da vítima, considerado firme e coerente pelos desembargadores.
A decisão, proferida por unanimidade pela 1ª Câmara Criminal do TJGO, segue entendimento já consolidado no Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que, em crimes sexuais, a palavra da vítima pode ser suficiente para embasar uma condenação. Ainda que o laudo pericial não tenha confirmado a conjunção carnal e não houvesse testemunhas presenciais, o tribunal considerou o relato da mulher como compatível com os demais elementos do processo.
“É uma sinalização clara de que a Justiça começa a ouvir as vítimas de forma mais responsável. A palavra da vítima não pode ser tratada como um detalhe. Ela é, muitas vezes, a única prova possível em casos de violência sexual”, afirmou a advogada Érika Ferreira, especialista em direito de família e com atuação em casos de violência contra a mulher.
Sentença de primeira instância foi revertida após recurso do MPGO
O réu havia sido absolvido em primeira instância sob o argumento de ausência de provas contundentes. O juiz de origem apontou inconsistências no relato da vítima e a inexistência de comprovação pericial da violência. No entanto, o Ministério Público de Goiás (MPGO) recorreu da decisão, destacando que o depoimento da mulher era coerente e compatível com os demais indícios do processo.
Para a advogada Érika Ferreira, a iniciativa do MP foi fundamental. “O MPGO foi firme ao recorrer da sentença absolutória. Poderia ter se acomodado, mas escolheu lutar pela vítima. Foi uma atuação técnica, corajosa e necessária”, ressaltou.
Ela também destaca que a ocorrência de pequenas divergências no relato não compromete a credibilidade da vítima. “Pequenas divergências são esperadas, especialmente quando os fatos ocorreram há anos. Isso não retira o valor do depoimento. O que importa é a coerência interna e a compatibilidade com os outros elementos do caso.”
Palavra da vítima ganha força como prova legítima
A decisão do TJGO está alinhada com o entendimento do STJ, que reconhece a palavra da vítima como meio válido de prova em casos de crimes sexuais, especialmente aqueles cometidos em ambientes íntimos e sem testemunhas.
“São crimes praticados geralmente entre quatro paredes, sem presença de terceiros, e em situações nas quais a vítima muitas vezes demora para denunciar. Esperar provas materiais nesses casos é ignorar a realidade de quem sofre esse tipo de violência”, argumenta a especialista.
Para Érika, o Judiciário de Goiás demonstra sensibilidade e maturidade ao adotar essa postura. “É uma sinalização importante, pois mostra que os tribunais estaduais também estão alinhados com a evolução da jurisprudência. Isso tem impacto direto na vida das mulheres vítimas de violência”, afirma.
Estupro ainda é crime com alto índice de subnotificação
De acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o estupro é um dos crimes com maior índice de subnotificação no país. O medo de represálias, o sentimento de culpa e a dificuldade em reunir provas materiais são fatores que impedem muitas vítimas de procurar a Justiça.
Nesse contexto, decisões como a do TJGO são vistas por especialistas como essenciais para garantir maior proteção às mulheres e incentivar denúncias. “A Justiça precisa compreender que o estupro é um crime silencioso. Nem sempre haverá laudos, vídeos ou testemunhas. Quando a vítima encontra coragem para relatar o que sofreu, esse relato precisa ser levado a sério”, defende Érika Ferreira.
Jurisprudência avança, mas desafios permanecem
Embora a decisão do TJGO represente um avanço, especialistas lembram que ainda há resistência em diversas instâncias do Judiciário quanto ao valor da palavra da vítima. Muitos processos são arquivados ou resultam em absolvições por falta de provas materiais, mesmo diante de relatos consistentes.
A atuação do Ministério Público, bem como a sensibilidade dos magistrados ao contexto da violência sexual, são apontadas como fatores decisivos para reverter esse quadro. “É preciso entender que não se trata apenas de técnica jurídica, mas de humanidade. A Justiça precisa estar atenta às circunstâncias e ao sofrimento da vítima. Isso é essencial para romper o ciclo da impunidade”, conclui Érika.
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